27/09/2006

Lover - Parte III


Num ritmo doce, porém quente, percorro as palmas das mãos pelo teu tronco e sinto-te... Beijo-te e o teu corpo eleva-se um pouco, como que para me sentir melhor. Todo o teu eu físico chama por mais toque, mais boca, mais pele. O teu cheiro enebria-me o espírito e olho o teu rosto, belo, sereno, estimulado. Mordes o lábio e um sorriso é inevitável. Conheço-te.


Pedes, calado, que te solte, embora, por ti, aquele momento pudesse durar a noite inteira. E o envolvimento surge, o abraço é cada vez mais forte e um chamamento recíproco torna-se incontrolável e, tranquilamente, os nossos rostos fundem-se, o nosso olhar fixa-se, os nossos corpos colam-se e tornamo-nos num só. Por aquela noite, um só.


Rituais repetem-se, mas desta vez a saída é mais demorada. O prazer não foge. Volta. E mais tempo houvesse, mais vezes tornaria a voltar.


No ar do desejo, não fica à porta apenas o calor de mais uma noite. Ele acompanha-me por mais uns dias confusos, porventura passageiros, mas com uma dúvida que recuso verbalizar. Com o passar do tempo, todos os planetas se alinham e a vida volta ao normal, deixando a pairar a eterna questão acerca destas noites quentes de um Outono que chega em breve, a eterna questão silenciosamente deliciosa do mistério.


Não venhas até às escadas... Fecha a porta e descansa, que os nossos dias, as nossas noites, estão a chegar ao fim...

25/09/2006

Sopro de voz


Na magia do desconhecido, nada o fazia prever.

Dois estranhos, uma amiga comum, uma fase incomum. Para os dois.

Para tudo, ou quase tudo, a primeira vez.

Uma conversa virtual e outra e logo outra. O sobressalto perante tanta frontalidade acerca de um assunto tão marcante, tão marcado, proibido, até. Retracção.

Mensagens trocadas e um telefonema de um mistério surge. Olho para o telefone móvel, que descansa em cima da bancada americana, na cozinha, sorrio e, numa fracção de segundo, penso em tudo e atendo.

Uma voz quieta, suave, tranquila, no entanto sensual, quente, inebriante, ancora no meu ouvido. Rendida a tal timbre, o diálogo vai-se compondo, preenchido com pequenos silêncios de análise mútua, revezando-se com elogios sinceros, corteses, partilha de histórias breves, mas tão longas, tão demasiado longas, na sua substância.

O desconhecido abre as suas portas imateriais para o que viria a ser uma experiência inusitada. Adivinho os seus medos em poucas palavras, entendo os seus segredos naquele ligeiro toque de voz.

Voz que se desdobra no invisível, toca tenuemente e faz enlear a minha disfonia num tom raramente calmo, mas sempre calmo perante esta voz.

Um contacto mais próximo surge, sem premeditação e sem apresentações externas. Sorrisos e a emoção característica do inesperado.

As conversas escritas tornam-se mais frequentes a última coisa que se pensou, acontece, numa infinitude de horas telefónicas

Numa noite cósmica, sob o tom envolvente das constelações, duas vozes fundem-se pela impossibilidade maior de retardar a sua ligação, união química e singular. Superiores à força da vida mundana, duas vozes ofereceram-se à existência que apenas aquelas duas vozes poderiam dar e receber naquele instante.

Cumplicidade, musicalidade, transparência, partilha.

Fica a saudade permanente entre a pele das duas vozes, atadas por um sopro ténue e sublime.

Ancoram ocasionalmente uma na outra, em registos díspares, mas o tom é sempre suave, meigo, porém quente e inebriante. Afeiçoam-se momentaneamente ao escutarem-se.

Uma voz silencia-se, outra regressa ao lar, com a certeza de que voltarão a enlear-se, tranquilamente, no sopro de um novo diálogo .

08/06/2006

Ode ao teu Encanto ou Saudade




O mais belo sonho sonhado em dias cinzentos de névoa perdida,
O poema em linhas traçado cobertas de amor e de dor e magia,
Foste a estrela que guiou minhas ruas e me acompanhou de noite e de dia,
O caminho correcto escolhido, a percorrer quando andava perdida.

Foste o mar revolto e calmio de tardes infindas num bar conhecido
Foste o quadro pintado com as mãos, que já estão cansadas e velhas e frias,
O relógio atrasado e estragado que ao contrário girava em horas tardias
O calor que aquecia o meu corpo e o recebia em dias sombrios.

Foste a mágoa, o choro e a raiva e o grito feroz de um amanhecer,
Foste a voz e o som da guitarra que me harminizavam ao entardecer,
Foste o sonho que sempre sonhei, que pouco viveu e vejo, já, morrer,
Foste o azeite que me acendeu a vontade da vida e a luz do prazer.

Foste a terra mais húmida e seca e fresca que outrora encheu o meu milharal,
Foste a planta mais verde e sadia que já vi nascer no meu areal,
Foste o leito de areia, aquele em que me deitei para repousar,
Meu desejo adente, meu fogo, quimera, minha pedra filosofal.

A batalha sangrenta e cruel que com tanto carinho me ofereci lutar,
A conquista ingrata e injusta dos castelos da vida vejo naufragar,
A paisagem campestre e antiga de uma cidade que me vai ficar,
A lembrança, a memória de tempos, que na nostalgia, me vão despertar.

O cigarro mais longo de um maço que saboreei e fumei sem cessar,
Foste o escuro mais negro e disperso que vi no meu céu e não queri apagar,
Foste o copo cheio de álcool e vazio de esperança por quem quis lutar,
Expressão de um silêncio espelhado que de tão falado queria calar.

Foste o presente mais precioso que algum dia se me podia oferecer,
Minha cor, meu anel, fantasia, minha roupa antiga obrigada a despir,
Foste a caixa, refúgio, o medo em que vagueei e, por ti, desprendi.
Meu perdão, minha culpa, livro que escrevo e canto com a voz que perdi.

Meu tesouro num fundo guardado, que procurarei com o passar dos anos,
Minha carta, parede forada de quadros a cores, de um Natal tão distante,
Companheiro de risos largados, de sonhos calados, de um olhar tão terno,
Foste um anjo, um pedido lacrado, que de tão pedido, se tornou eterno.

És a prosa a quem sempre dedico e sempre dirijo uma linha seca,
És a fada mais bela e formosa que voa no céu e recai sobre a mesa,
És Lisboa, amante e amigo, com quem eu corria pela tarde fora,
Foste a quem mais me dei, amei e odiei e de quem me despeço agora.

Foste a casa que arquitectei e que construí para podermos viver,
Meu amado, num carro assaltado, dentro da garagem, ao anoitecer,
Meu refúgio, meu tudo meu nada, braço estendido para me acolher,
Meu desgosto, pedra de xisto que com suas lâminas me faz sofrer.

Foste a voz da razão e certeza que renunciou ao amor que te quis,
Foste a musica calma e serena, melodia quente que cantou para mim,
O pilar a que me agarrei com unhas e dentes, que vejo caír,
Insegura, frágil fissura que se abre no chão e que me mostra o fim.

A palavra mais terna e mais dura de um nome que fica agora gravado,
Tentativa, reconciliação de uma paixão, de um amor acabado,
Dicionário perfeito e completo de significados por hora fechado,
Meu amor, porquê recusar um amor que sabemos estar destinado?

O que é feito de tantas palavras saídas da boca e agora esquecidas?
Esqueceste as juras tão feitas e que, de repente, se tornam perdidas?
Apagaste a memória falível de tantas conversas por nós partilhadas?
Meu engano, concha fechada, final de etapa, minha encruzilhada.

Foste o fado que me acompanha e que fica marcado para a vida toda,
Sonho alado, que sonha acordado e só e me desperta no raiar da aurora,
O presente que temo por nós por tanto te querer com o passar da hora,
O príncipe dos contos de fadas que negaste ser e te provas agora.

Foste a esperança que quis esperada, mas que de tão gasta acabou por morrer
Foste a pdra salgada mais doce que me caíu nos lábios e me fez render,
Foste a fonte da mais pura água da qual bebi para adormecer,
O abraço mais forte e mais longo que desejei apertar para não te perder.

Dos teus olhos guardo a ternura, a paz e a candura que não esquecerei,
Do nariz a forma perfeita, tua linha estreita, que eu sei me quer bem,
Do teu rosto a pele mais macia, mais bela poesia das que já toquei,
E da boca, o beijo chorado, quente e demorado que agora deixei.

Foste o texto esculpido, traçado e rasgado na mágoa de lágrimas vãs,
O ciúme fingido e escondido por cima da cama em cada manhã,
Foste a Arte mais pura e perfeita que alguma vez me propus estudar,
Minha rosa negra de amor e paixão que se nega a deixar-se murchar.

Foste o sonho do qual acordei com o simples toque de um amanhecer,
Meu amado, príncipe encantado de um livro encerrado ao anoitecer,
Meu presente, futuro e passado que insite em ficar para permanecer,
Vagabundo que foge do medo, se esconde e desiste... e se deixa... perder.

06/06/2006

O Fim

Acabei de decidir. Vou partir, deixar-te para trás. Esquecer-te. Abandonar-te. Sim, vou abandonar-te à tua sorte e partir. Partir deste amor que me consome e que não consigo esquecer nem ultrapassar. Um amor que já não serve. Que acabou já e apenas eu julguei possível reaver. E senti-o de uma forma tão real.

Apenas receio continuar a amar-te por toda a minha vida e o meu coração bater por ti e pela vida que julguei possível termos um dia. O meu coração insiste em gritar o teu nome como se fosse possível voltar atrás no tempo e reviver tudo, como se nem um minuto tivesse passado.

Fizeste-me experimentar um amor como nunca havia sentido antes. Depois de ti, mais ninguém. Nunca mais experimentei nada assim. Julguei amar outro alguém, mas amor é o que fica, quem fica. E tu ficas sempre. É um amor grande, grandioso demais para ser vivido aqui e, por isso, parto. Parto sem destino, parto como se do planeta fizesse parte o infinito e tu fosses uma estrela que deixa de brilhar.

Deixo-te. Deixo-te a este mundo que tem sido tão ingrato com o meu desaustinado coração, que apenas se preencheu por completo nos momentos em que estiveste presente na minha vida. Nada me resta. O meu peito está vazio, vazio, vazio. A minha respiração é cada vez mais fraca e dentro de mim um grito mudo tenta soltar-se, tenta soltar-te.

Tenho de deixar-te ir, mais uma vez, deixar-te saír de mim para sempre. Não consigo mais suportar-me dentro desta dor pela tua ausência, desta angústia pelo facto de te querer tanto.

Tu mudaste, mas eu sei, continuo a acreditar que não mudaste. Quero sempre, a cada dia, acreditar que tu persistes em ser aquela alma humana, doce, carente, cheia de amor, de sonhos, de promessas por concretizar. E tu vais conseguir. Tu vais ser feliz, ter a tua casa, a tua fiel mulher e os teus tão ansiados filhos, que pretendes criar como parte de ti, para eliminares os erros que cometeram contigo, para te sentires completo. Tu vais. Mas eu não vou estar ao teu lado nesse percurso. E não suporto essa ideia. Apesar de estar disposta a largar-te. Por amor.

É como se tivessemos tido um relacionamento que falhou e terminou há minutos, há segundos. Havia muito tempo que não sentia tamanha dor. E não pensei ser possível voltar a ter esta dor por ti. Não por ti. Talvez por outro. Mas por ti, não. É cruel demais. Não faz sentido. Foste o amor da minha vida, que se cruzou comigo por apenas breves instantes, num toque apenas e que não ficou. E é como se, sem ti, nada fizesse sentido. É em ti que penso se estou à beira mar, se estou em casa, no carro, onde quer que vá. É assim desde que te conheci. Nada mudou. Vejo, até, que se intensificou com o passar do tempo e não admito que a vida tenha sido tão malvada, tão madrasta comigo que tivesse o desplante de me retirar o meu maior sonho, de ter arrancado de mim o meu amor, o único alguém que preencheu e que senti confiança para amar, sem questionar, em toda a plenitude que o amor pode atingir.

Deixo-te ir, com a diferença que agora não estás comigo. E eu não aguento mais. Não consigo voltar a amar. Tenho-te a balançar diariamente dentro da minha cabeça. Não dá mais.

Tenho de partir. Estou pronta para, de novo, seguir o meu caminho por minha conta, sozinha. Olho-te de longe, certamente olharei antes de partir e verei o teu olhar triste de quem se recompõe de um desgosto, de uma frustração de uma relação que não deu certo. Um olhar que busca o amor e alguma coisa superior, alguma coisa brilhante, espectacular. Mas prestes está a surgir-te a felicidade e a tua plenitude.

Serás um ser humano completo e eu serei uma memória, ou talvez nem isso. Faço parte do teu passado que já esqueceste e tu continuas no meu presente para ficar. Não sei quando ou se voltarei um dia. Mas agora parto. Parte do meu coração, também, para que não tenha de pensar em ti onde quer que vá. Pelo menos faz isso por mim.

12/04/2006

Acordo com a sensação de que te perdi.

Para P.B.

Acordo com a sensação de que te perdi.

A dor é tão forte, que parece que arrancaram uma parte de mim, que alguma coisa está a saír do meu corpo. É terrível, esta sensação.

Não me quero levantar. Prefiro adormecer de novo para camuflar este sentimento, para esquecer que o mundo real, realmente existe.

Nunca sonho contigo, ou se sonho, não me lembro. Ainda bem.
Hoje é sem sorrisos que te recordo. Apenas lágrimas.
E lembro com uma saudade inexprimível todas as conversas, todos os momentos, de cada palavra que te disse, que me disseste, tantas vezes em silêncio. Não omito um único pormenor...

Não consigo esquecer. És meu, mesmo que sejas de outra. Tenho a certeza. Tenho a certeza de que serás para sempre meu, mesmo que não estejas comigo. Hoje, apercebo-me o quanto me fazes falta e apenas consigo chorar.

Não sei o que dizer para desabafar, porque apenas o teu nome, todos os momentos eu consigo recordar. É apenas sobre isso que posso falar.

Queria desaparecer, deixar de ser eu só por uns dias, para não ter de enfrentar esta realidade irreal, surreal que é a minha vida contigo.

Ligas-me constantemente a horas despropositadas e eu escondo o que realmente sinto debaixo desta carapaça forte de supermulher que aguenta tudo, que suporta tudo, que prefere deixar-te a ser rejeitada, que prefere largar-te à tua vida real antes que a magia se dissimule e se torne numa vida de dia a dia que tanto necessito, mas que conscientemente racionalizo se não se tornaria apenas em mais uma relação que se esvai com o quotidiano.

Surgem-me ideias e pensamentos nunca antes experimentados. Acredito no teu amor por mim, mas não quero acreditar nele, porque me faria fraquejar, assumir sentimentos que poder-se iam transformar em mágoas. Deixo que as coisas fiquem assim, porque no fundo, mesmo que te perca, não te perderei nunca. Preciso do dia a dia, mas o teu dia a dia não é meu. Sei o que sinto e não quero sentir, por isso, não sinto. Guardo. Não verbalizo. Persisto no bac que me deu assim que te vi pela primeira vez.

Lá estavas tu. Mas, comparado com o que senti nessa noite, todas as outras noites, todos os outros dias, nenhuma vez foi tão forte e inquestionável como está a ser hoje.

Não sei o futuro e, como em tudo aquilo que me provoca incertezas, não quero saber. Sinto. Sinto muito. Mas, no fundo eu quero a certeza, mas não admito que a quero.
Deixo-te viver este momento e refugio-me na minha vida, no meu trabalho, naquilo que sei poder controlar.

Sim, tenho uma vida contigo, talvez outra, ainda não entendi. Uma vida paralela que transcende tudo o que é racional, terreno, mundano, tudo o que as minhas anteriores relações foram e tudo o mais que as minhas histórias futuras possam vir a ser. Tu és tu. Eu sou eu. E juntos somos um só.

05/04/2006

Amor

O amor surge quando os olhos se encontram e se desejam ver de novo.
Brota quando se escuta uma voz que se quer perto do ouvido, como um segredo que se revela num murmurio.

Desponta por acaso, ao cerrar os olhos e constatar que não importa o número de vezes que os abrimos e fechamos, porque é sempre a mesma imagem que se vê.

O amor traz consigo noites de vigília e quando, finalmente se adormece, os sonhos são, noite após noite, iguais. Ou se não são iguais, é o mesmo riso, a mesma voz, o mesmo ser, a mesma cara, o mesmo olhar... Tudo o que queremos rever.

O amor é como uma nuvem que passa dentro do coração e que, estando carregada de carinho, despeja magicamente sobre a alma, por vezes incerta, a intensidade de um sentimento que só o tempo ou a vida podem esgotar.

Mas há amores impossíveis, há equívocos, há barreiras que não se podem galgar. Há olhares que passam a desviar-se, vozes que deixamos de ouvir cantar, sorriso que se deixam de dar, ficando alguém a sofrer.

O amor aparece quando menos se espera e nada se pode fazer para evitá-lo.

Mulher

É o desejo de acabar. É a vontade de pôr fim a tudo o que nem sequer começou, mas se quer ver terminado.

É o anseio de descobrir se vai dar certo ou não.

É querer que o futuro chegue depressa para ver como tudo se esgota.

É querer saber se irá, algum dia nascer dentro de nós uma criança, ou se a esterilidade emocional tomará conta da nossa vida e a deixará vazia de qualquer significado aparente.

É a sede de conhecer o resultado de um exame antes que ele se faça.

É a curiosidade extrema de descobrir se se vai amar.

É a pretenção louca que o tempo corra mais depressa do que a ele próprio se permite.

É a vontade de acabar com este sufoco de querer que a vida passe depressa para descobrirmos se o nosso maior sonho vai ou não realizar-se.

Desencontro

Esta noite, a lua não nasceu.

Andámos, por caminhos paralelos, milhas de estrada sem lhe encontrar o fim.

Procurámo-nos pela noite vazia de cor, uma noite diferente de todas as outras noites em que passeamos por Lisboa, em busca da intensidade de luz, inventada pela imensidão de candeeiros altos e esguios. Ou pelos focos de lazer das imensas discotecas que iluminam as ruas da cidade.
A noite estava escura como nunca a tínhamos visto. As vozes estavam caladas, as estradas apagadas, as lâmpadas fundidas, as calçadas desertas.

Esta noite, a lua decidiu não nascer, ficando nós desprovidos de admirar a beleza dos corpos sem nome, que constantemente passam por nós sem darmos por isso.

Procurámo-nos por parte incerta, mas como a cidade estava escura e não havia uma alma acasa a quem pedir lume, seguimos, paralelamente, milhas de estrada, de regresso a casa.

Desesperado

Hoje estou em casa.

Tu estás onde estás.

Sentada na minha cama, com a janela entreaberta, fumo o último cigarro da noite. Tu fumas o primeiro dos dez que fumas por dia.

Hoje olho as mesmas estrelas que tu, mesmo sem estar contigo, e estou.

Estás sentado ou de pé, atarefado ou quieto, de frente para o mar, ansioso por uma noite calma. Com certeza.

Olho mais uma vez o céu, e penso em ti como penso por vezes.

Hoje não procurei. Não te vi. Não te quis ver. Não sorvi o teu conhecimento e não partilhei contigo, frases feitas ou pensamentos ocasionais. Reservei o dia para mim. Tem de ser assim.

O carro do meu pai tentou persuadir-me a ir ao teu encontro, mas respondi-lhe que não.

Hoje penso em ti como penso poucas vezes e a saudade não cresce. Amanhã será diferente. Certamente diferente. Que assim o seja.

Third Floor on a Friday night

Enfiaram-se dentro de um prédio onde já tinham vivido havia anos.
Ele pegou nela como a uma noiva e rasgou-lhe a pouca roupa que tinha no corpo. Ela deixou-se ficar sem resposta. Estava disposta a deixar que ele fizesse dela o que quisesse. Às vezes, é bom entregarmo-nos sem resistência.
Ele arrancou os botões das calças, baixou o par de boxers que ela lhe havia oferecido num aniversário que não o dele, e entrou nela. Penetrou-a profundamente, como quem procura um orgasmo voraz. Como quem se quer fundir. Como quem ama desmensuradamente, que tem vontade de tornar dois corpos num só. Entrou e saíu, continua e arrojadamente, ouvindo e excitando-se com os gemidos e sons de prazer que dela estremeciam. Estavam de olhos abertos. Era saboroso apreciar, às claras, o prazer que partilhavam.
Ela entrou nele e agarrou-o pelos olhos. Ele não aguentava o seu olhar. Era um misto de raiva, amor, ciúme, tristeza que ele não sabia entender. Deixou-se, mesmo assim, avassalar por ela e agora, era ele quem gemia e murmurava sons excitantes.
Presos pelos sexos e pelo olhar, observados pelas quatro paredes que envolviam a escadaria onde se amavam, explodiram em simultâneo, soltando gritos de emoção, lágrimas e sorrisos de cumplicidade
Abraçaram-se, ainda quentes.
O elevador estava parado à porta, para levá-los ao terceiro andar do prédio ao lado.
Tiraram, ao chegar, as chaves do bolso e introduziram a escolhida na fechadura. Silenciosamente.
Atiraram a roupa que não traziam vestida para cima de uma cadeira que os observava. Ela percorreu as mãos pelo seu corpo, ainda húmido. Ele olhou-a, pegou-a ao colo, deitou-a na cama e amou-a devagar.

Aquele bar

Não chovia. O sol desaparecia no céu, embora desperto, embora fosse Inverno.
Cheguei, e tu já lá estavas. Como sempre. Sentado num banco de madeira escura, ao fundo das escadas, virado para o mar. Como sempre.
Embora com as costas de frente para mim, viste-me chegar.
Eu, imóvel ao cimo da escadaria, contemplava o horizonte encoberto, onde ansiava estar, para me perder, para me soltar em toda a existêcia daquela paisagem que me era oferecida por uma natureza tornada viva, com o embater da água nas rochas, pintando o céu.
Vi-te.
A tua boca abriu-se num sorriso e a tua mão tacteou insistentemente no banco escuro em que te sentavas, como um convite a descer. Sorri, em resposta.
Desci. Estava já perto de ti. Conversámos o que nunca imaginámos. Muito ficou por dizer.
Olhámos à direita e o dia caía suavemente, contrariado. Do lado esquerdo, o céu permanecia azul. Escuro. Passaram pássaros, voando sobre nós, perdidas em bandos, sós. Eu não conseguia distinguir umas das outras. Mas tu conseguias. Como sempre. Ensinaste-me os seus nomes e como voavam. Soube, finalmente, diferenciá-las e o meu olhar perdeu-se nessa magia de pairar sobre os corpos terrenos, sob os espíritos supremos.
Contei-te sobre os meus anseios, as minhas vontades e as minhas mais profundas ambições. Senti-me serena.
Enquanto o dia se desmanchava, formáva-se sobre nós uma tela imaculada e singular, onde o sol tornava o céu ocre e as nuvens o transformavam em dia e, simultaneamente, noite. Tudo se fortalecia em mim. Tudo sonho. Tudo é afecto. Tudo é paixão. Tudo é segredo. Tudo em segredo.

A flor que tu me deste

Sabes, ainda guardo a flor que tu me deste. Rosa vermelha. Lembraste?
Deste-ma quando fui ao teu encontro adúltero, num centro comercial qualquer. A flor sorriu para mim e eu estava feliz. Dividida, mas feliz.
Plantei-a numa jarra vazia. Enchi-a de água e ali ficou ela, sem que houvesse um dia em que a não cheirasse ou acariciasse. Como te fazia com a minha mão. Ficou aberta e reluzente durante algum tempo.
Para meu desasossego, a flor secou mais rapidamente do que eu poderia imaginar. As pétalas murcharam e ficaram castanhas. Secas. Velhas. As verduras dos fetos que a envolviam, cansaram-se e inclinaram-se, mortas para beijar a prateleira da estante, onde tinham aprendido a viver. Sentiam falta do meu carinho diário, que nos tinha unido apaixonadamente.
De vez em quando, tocava-lhe, mas ela já não sorria nem, respondia quando lhe falava. Nem me olhava como outrora. Eu insistia, mas a flor, prostrada, não compreendia.
Com o tempo, deixei de sentir vontade de lhe tocar. Fazia lembrar-me de ti e das tardes durante a semana, em que o sol brilhava, a chuva caía e o filme continuava.
Sentia saudades da flor, quando estava ainda purpura, flamejante, quando estava, ainda, feliz.
Hoje, atentava-a e recordava os meu dias de juventude. Pensava como era possível olhar para ela e, ela permanecer como a deixei. Sabes, ainda guardo a flor que tu me deste, o amor que me ofereceste, a saudade que me trouxeste e a vida que me roubaste.

Abraço com rima acidental

Ao deixar-te, esta tarde, deixaste-me a pensar que no nosso abraço, tudo se pode contar.
Anos de histórias e nunca nada se torna banal. Segredos que revelamos, gestos com que nos tocamos... misterioso abraço este, afinal.
O nosso abraço é longo ou curto.
Despropositado, desejado, com garra, simples, confidente, profundo, mar, canção. É bailado, é calor, é perfume, é amor. Quente, frequente, muito amado. Sincero, triste e honrado. Mel, guitarra e fado, voz, silêncio calado. Presente. Nunca ilusão! Passado, lágrima, dor, sangue, suor, oásis num deserto apagado, lume de cigarro esquecido, lua de um céu não estrelado. Rosa amarela na savana, livro aberto de linhas tontas, noite, dia, encontro, beleza, olhar, refúgio, calma, brisa, vento, serenidade. Abraço. Para sempre.
Sem puder ter este abraço, de que me valem todos os beijos? Abraço é vida, é força, é sinal, é tesouro escondido num baú de memória imortal.
É real, mesmo que ainda seja sonho.
O nosso abraço, em que penso, é mundo, é àgua cristalina, barco sem fundo, anel de fantasia, arco de triunfo.
É praia, vida, fogo e lar. É dar, receber. É tudo.

Lembrança

Quis-te morta.
Mas queria ser eu, com as minhas mãos, a matar-te.
Assombravas-me à noite, como o papão a uma criança, entrando sem licença nos meus sonhos, virando-os, inteiramente, para ti.
Reviravas os meus dias e permanecias, sem perdão, a olhar-me dentro da minha própria cabeça, a agarrar-me com as tuas mãos o meu corpo frágil, fazendo-me redimir.
Quis matar-te, mas não queria. Queria querer matar-te, mas não conseguia querer. Querer e querer querer são duas espécies diferentes de intentar.
Dei-te comprimidos a mais. Não resultou. Tu sempre aguentaste bem as drogas. Ou, se calhar, fui eu que não pus a quantidade necessária para poderes sucumbir.
Apeçonhei a tua cerveja com gotas do meu sangue envenenado pela tua ausência, mas tu sempre aguentaste bem a bebida.
Já angustiado, esfaqueei as tuas costas, rasguei a tua pele, os teus músculos até escoriarem os teus ossos. A isto não poderias resistir.
Mas tu continuavas a assombrar-me com o teu olhar dentro do meu, com o movimento do teu corpo seco na minha cabeça.
Não te consegui matar. Não te quis matar, porque, se o quisesse empenhadamente, consegui-lo-ia.
Tu sempre aguentaste bem uma facada nas costas e o abandono.

05/03/2006

Desencontro inevitável


Nuvens cinza claro no céu.

É de tarde num local desconhecido desde há pouco. Mais vazio, incompleto, de um cheiro pobre, podre. Odor indiscreto de abandono, de crueldade, de desamor, traição, crescente infidelidade virtual.

Letras estrangeiras insistem em vir ao meu encontro, saltando num ecrã antes puro, numa janela indiscreta lançada por um malfadado homem igual a tantos outros e muito igual a si próprio.

As pessoas não mudam e há aquelas que devemos largar assim que pudermos, assim que nos libertarmos das amarras ilusórias que o amor, ou a ilusão dele, podem criar.