Na magia do desconhecido, nada o fazia prever.
Dois estranhos, uma amiga comum, uma fase incomum. Para os dois.
Para tudo, ou quase tudo, a primeira vez.
Uma conversa virtual e outra e logo outra. O sobressalto perante tanta frontalidade acerca de um assunto tão marcante, tão marcado, proibido, até. Retracção.
Mensagens trocadas e um telefonema de um mistério surge. Olho para o telefone móvel, que descansa em cima da bancada americana, na cozinha, sorrio e, numa fracção de segundo, penso em tudo e atendo.
Uma voz quieta, suave, tranquila, no entanto sensual, quente, inebriante, ancora no meu ouvido. Rendida a tal timbre, o diálogo vai-se compondo, preenchido com pequenos silêncios de análise mútua, revezando-se com elogios sinceros, corteses, partilha de histórias breves, mas tão longas, tão demasiado longas, na sua substância.
O desconhecido abre as suas portas imateriais para o que viria a ser uma experiência inusitada. Adivinho os seus medos em poucas palavras, entendo os seus segredos naquele ligeiro toque de voz.
Voz que se desdobra no invisível, toca tenuemente e faz enlear a minha disfonia num tom raramente calmo, mas sempre calmo perante esta voz.
Um contacto mais próximo surge, sem premeditação e sem apresentações externas. Sorrisos e a emoção característica do inesperado.
As conversas escritas tornam-se mais frequentes a última coisa que se pensou, acontece, numa infinitude de horas telefónicas
Numa noite cósmica, sob o tom envolvente das constelações, duas vozes fundem-se pela impossibilidade maior de retardar a sua ligação, união química e singular. Superiores à força da vida mundana, duas vozes ofereceram-se à existência que apenas aquelas duas vozes poderiam dar e receber naquele instante.
Cumplicidade, musicalidade, transparência, partilha.
Fica a saudade permanente entre a pele das duas vozes, atadas por um sopro ténue e sublime.
Ancoram ocasionalmente uma na outra, em registos díspares, mas o tom é sempre suave, meigo, porém quente e inebriante. Afeiçoam-se momentaneamente ao escutarem-se.
Uma voz silencia-se, outra regressa ao lar, com a certeza de que voltarão a enlear-se, tranquilamente, no sopro de um novo diálogo .
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