27/09/2006

Lover - Parte III


Num ritmo doce, porém quente, percorro as palmas das mãos pelo teu tronco e sinto-te... Beijo-te e o teu corpo eleva-se um pouco, como que para me sentir melhor. Todo o teu eu físico chama por mais toque, mais boca, mais pele. O teu cheiro enebria-me o espírito e olho o teu rosto, belo, sereno, estimulado. Mordes o lábio e um sorriso é inevitável. Conheço-te.


Pedes, calado, que te solte, embora, por ti, aquele momento pudesse durar a noite inteira. E o envolvimento surge, o abraço é cada vez mais forte e um chamamento recíproco torna-se incontrolável e, tranquilamente, os nossos rostos fundem-se, o nosso olhar fixa-se, os nossos corpos colam-se e tornamo-nos num só. Por aquela noite, um só.


Rituais repetem-se, mas desta vez a saída é mais demorada. O prazer não foge. Volta. E mais tempo houvesse, mais vezes tornaria a voltar.


No ar do desejo, não fica à porta apenas o calor de mais uma noite. Ele acompanha-me por mais uns dias confusos, porventura passageiros, mas com uma dúvida que recuso verbalizar. Com o passar do tempo, todos os planetas se alinham e a vida volta ao normal, deixando a pairar a eterna questão acerca destas noites quentes de um Outono que chega em breve, a eterna questão silenciosamente deliciosa do mistério.


Não venhas até às escadas... Fecha a porta e descansa, que os nossos dias, as nossas noites, estão a chegar ao fim...

25/09/2006

Sopro de voz


Na magia do desconhecido, nada o fazia prever.

Dois estranhos, uma amiga comum, uma fase incomum. Para os dois.

Para tudo, ou quase tudo, a primeira vez.

Uma conversa virtual e outra e logo outra. O sobressalto perante tanta frontalidade acerca de um assunto tão marcante, tão marcado, proibido, até. Retracção.

Mensagens trocadas e um telefonema de um mistério surge. Olho para o telefone móvel, que descansa em cima da bancada americana, na cozinha, sorrio e, numa fracção de segundo, penso em tudo e atendo.

Uma voz quieta, suave, tranquila, no entanto sensual, quente, inebriante, ancora no meu ouvido. Rendida a tal timbre, o diálogo vai-se compondo, preenchido com pequenos silêncios de análise mútua, revezando-se com elogios sinceros, corteses, partilha de histórias breves, mas tão longas, tão demasiado longas, na sua substância.

O desconhecido abre as suas portas imateriais para o que viria a ser uma experiência inusitada. Adivinho os seus medos em poucas palavras, entendo os seus segredos naquele ligeiro toque de voz.

Voz que se desdobra no invisível, toca tenuemente e faz enlear a minha disfonia num tom raramente calmo, mas sempre calmo perante esta voz.

Um contacto mais próximo surge, sem premeditação e sem apresentações externas. Sorrisos e a emoção característica do inesperado.

As conversas escritas tornam-se mais frequentes a última coisa que se pensou, acontece, numa infinitude de horas telefónicas

Numa noite cósmica, sob o tom envolvente das constelações, duas vozes fundem-se pela impossibilidade maior de retardar a sua ligação, união química e singular. Superiores à força da vida mundana, duas vozes ofereceram-se à existência que apenas aquelas duas vozes poderiam dar e receber naquele instante.

Cumplicidade, musicalidade, transparência, partilha.

Fica a saudade permanente entre a pele das duas vozes, atadas por um sopro ténue e sublime.

Ancoram ocasionalmente uma na outra, em registos díspares, mas o tom é sempre suave, meigo, porém quente e inebriante. Afeiçoam-se momentaneamente ao escutarem-se.

Uma voz silencia-se, outra regressa ao lar, com a certeza de que voltarão a enlear-se, tranquilamente, no sopro de um novo diálogo .